Por Roberto Frabetti, tesoureiro e membro do Comitê Executivo da ASSITEJ
No final de janeiro de 2018, entre os dias 26 e 28, vai acontecer a quarta edição do Small Size Days. Um evento simples, porém especial, que acontece simultaneamente em diversos países, testemunhando a importância e a atenção dada à primeira infância. Crianças pequenas são tão amadas, tão protegidas e, ao mesmo tempo, tão subestimadas.
“Porque nós continuamos a fazer teatro para a primeira infância?”
O que um bebê de 10 meses compreende e quais emoções uma menina de 2 anos pode sentir?
Eles são capazes de ter pensamentos e sentimentos complexos? Ou eles têm apenas reações imediatas e instintivas – que nós acolhemos com um sorriso condescendente, admirados com sua “inocência”?
Ao falarmos sobre crianças, nós devemos ter cuidado com o uso da palavra “inocência”, e evitar mal-entendidos. Ela cheira a falta de consciência, futilidade, inconsistência.
Neste mundo, as crianças são inocentes porque elas começaram há pouco; mas mesmo as mais pequenas com certeza não são anjos.
Elas são seres humanos pensantes; elas podem sentir e fazer os outros sentirem. Elas não são sempre inocentes, porque a beleza da ambivalência é uma característica do ser humano: ser inocente e culpado ao mesmo tempo, sombra e luz, transparente e oculto, aqui e em outro lugar.
Nós não podemos medir a qualidade de um pensamento ou um sentimento em quilos ou centímetros, e mesmo assim, respeitamos realmente as ideias de um adolescente ou de uma criança de 8 anos ou ainda de outra criança que ontem mesmo aprendeu a andar?
Isso nos leva de volta à pergunta inicial, mas nós poderíamos mudá-la um pouco, de forma que ela se aplique a diferentes faixas etárias: “Porque nós continuamos a fazer teatro para crianças e jovens?”
“As crianças formam um grande percentual da humanidade, população, nação, povo, cidadãos. Elas são nossas amigas leais. São, foram e serão.” Assim falou Korczak, e ele conhecia muito bem as crianças.
Crianças e jovens estão aqui hoje; são cidadãos plenos do nosso presente, nossos companheiros de viagem, independente do país onde residem e de tradições culturais.
Com sua admirável imprevisibilidade, elas sempre nos recordam que tudo que precisamos fazer é escutar. Ou nós as perderemos. E com isso nós perderíamos fragmentos de um pensamento incrivelmente lógico e analógico que elas são constantemente capazes de nos ofertar – desde que nós as observemos e as escutemos com respeito e curiosidade por aquilo que não sabemos. Que não é unicamente seu mundo, mas a maneira como elas percebem o mundo. Essa qualidade perceptiva pertence a todas as crianças de todo o mundo.
O que muda é o que elas vivenciam nas várias culturas, mas o que elas precisam e pedem ao mundo adulto permanece o mesmo.
Particularmente, sua necessidade de saber o que o mundo é permanece a mesma.
E elas precisam saber todos os seus aspectos, mesmo aqueles que não achamos importantes para elas, aqueles que achamos que são exclusivos do mundo adulto.
As crianças observam o mundo adulto constantemente, porque é olhando e escutando os adultos que elas aprendem e constroem seu conhecimento, sua visão de mundo.
Quando falamos sobre o que podemos oferecer à criança, nós devemos lembrar que enquanto nós nos perguntamos o que fazer, elas mantem seus olhos fixos em nós, e ao nos observar, elas aprendem.
Por isso, conscientes das suas necessidades, nós devemos sempre nos perguntar como nós podemos cuidar delas com nossa arte, lembrando que a criança simplesmente nos pede que estejamos disponíveis, que prestemos atenção e que escutemos. E que estejamos ao seu lado.
A criança olha para o mundo com olhos famintos por conhecimento e empatia.
Olhos bem abertos, ávidos por apreender cada detalhe e se maravilhar. “Olhos abertos”.
Olhos abertos, outro projeto da Rede Small Size, vai celebrar o encerramento do projeto europeu Small Size – Artes Cênicas para a Primeira Infância, em Galway, Irlanda, de 1º a 04 de fevereiro do ano que vem.
Unir-se à ASSITEJ em Galway pode ser uma oportunidade de aprender algo mais sobre teatro para os bem pequenos.
“Olhos abertos”. Nós pensamos que o olhar dos adultos é semelhante, especialmente o olhar de um artista. Olhos bem abertos para o que está ao nosso redor, e capazes de enxergar longe para compreender e sentir. Talvez não seja assim que acontece, mas não vamos nos esquecer como a intenção é importante e, por outro lado, a disposição dos inúmeros artistas que – assim como os participantes da Rede Small Size – continuam cuidando da criança com sua arte.
Crianças pequenas observam e escutam para aprender, para descobrir o mundo e perceber seus inúmeros detalhes.
E as muitas experiências que a Rede Small Size tem reunido durante sua jornada com os bem pequenos são prova disso.
Os pequenos têm a sua própria dimensão cultural e sua maneira própria de perceber e sentir, assim como seu próprio ritmo.
Eles pensam de uma forma complexa e sentem de maneiras que ainda desconhecemos.
Nós podemos não entendê-los, mas com eles podemos estabelecer fortes relações sensoriais.
Sensibilidades diferentes que se juntam em uma experiência artística.
Compartilhar nossa própria sensibilidade, mesmo que por apenas 30 minutos, é algo extraordinário.
Mas quando o encontro “funciona”, quando os artistas são bem sucedidos em cuidar da crianças com sua arte, então durante aqueles 30 minutos é possível ver olhos bem abertos, que se tornam uma história dentro da história.
A criança pequena tem uma habilidade única para expressar a intensidade do seu maravilhamento, mais que qualquer outra pessoa.
Olhares e posturas se entrelaçam com as ações dos artistas, enriquecendo a conexão sutil que ganha vida e se encerra durante a experiência artística.
E esta forma de viver e de se fazer arte não pode ter fronteiras, ela deve atravessar limites geográficos, porque a Small Size é uma rede, e as redes se movem através das fronteiras – todas elas – em uma dimensão transnacional, multicultural e multigeracional que pode ser o futuro da ASSITEJ.
Foto: Matteo Chiura
traduzido por: Cleiton Echeveste